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Modelo de trabalho prisional pelotense é adotado como política nacional

A portaria federal que instituiu o programa de revitalização de Unidades Básicas de Saúde, com o trabalho de apenados, foi baseada na experiência do Programa Mão de Obra Prisional criado em 2015 e inserido no Pacto Pelotas pela Paz

Por Marina Amaral 06-08-2021 | 11:43:47

O trabalho realizado pelo Programa Mão de Obra Prisional (MOP/SUS), que integra o eixo de prevenção social do Pacto Pelotas pela Paz, inspirou a criação da Portaria Nacional 1.698/2021. Publicada no dia 23 de julho, a norma institui o programa de revitalização de Unidades Básicas de Saúde (UBSs), por meio do trabalho de pessoas privadas de liberdade. A instalação, em âmbito nacional, da política pública de trabalho e renda para apenados é baseada na experiência pelotense, que teve início em 2015 e contribuiu para a reforma de 35 prédios do Município, além de auxiliar no combate à pandemia da Covid-19 e o mais importante: promover a ressocialização dentro do sistema prisional. 

"Tenho muito orgulho de ser prefeita da cidade que inaugurou essa política pública, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a fez crescer, se multiplicar a ponto de chamar atenção do governo federal e, hoje, se tornar exemplo para todo país. É uma política de inclusão, de ressocialização efetiva e de transformação de vidas”, declarou a prefeita Paula Mascarenhas. 

Para a secretária de Saúde, Roberta Paganini, é essencial reconhecer ações públicas que dão certo, a fim de fortalecer políticas públicas viáveis e que, efetivamente, tragam bons resultados. O projeto Mão de Obra Prisional é um exemplo dessas iniciativas que obtiveram êxito e, “por mostrar sua efetividade, se tornou uma política nacional que traz grandes benefícios para a área social, para a saúde e a sociedade”. 

A consolidação de uma política nacional, a partir de uma experiência local, é motivo de celebração para Pelotas, na visão da assessora especial do Pacto Pelotas pela Paz, Aline Crochemore. Para ela, o Programa gira em torno da premissa de transformar a sociedade em um lugar melhor, e isso é feito pelos profissionais, através de ações de qualidade e inovadoras. “No Mão de Obra Prisional, além da reforma dos prédios, promove-se a reforma íntima, o acolhimento pela comunidade e, de fato, a prevenção à reincidência”, frisou. 

A história do MOP

A primeira experiência do programa foi em 2015, diante da necessidade de reforma da UBS localizada dentro do Presídio Regional de Pelotas, responsável por atender os apenados. A estrutura física da Unidade era extremamente precária, conforme lembra o idealizador do MOP, Leandro Thurow, e, consequentemente, alvo de reclamações por parte dos profissionais de saúde que atuavam no local. A partir dessa constatação, com o intuito de recuperar o espaço, a equipe do PRP chegou a outra conclusão: mão de obra não faltava. “Mas, que haveria dificuldades para a aquisição dos materiais de construção com verbas do serviço penitenciário”, completou Leandro. 

Teve início, então, o convênio entre Prefeitura, que adquiriu os materiais, e a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), que cedeu a mão de obra prisional. A parceria resultou, rapidamente, em um espaço renovado. Após essa primeira experiência, bem-sucedida, observada a sua potencialidade e a grande necessidade de reforma dos prédios utilizados pela Saúde no Município e, especialmente, segundo Thurow “as dificuldades históricas enfrentadas no Setor de Manutenção devido à falta de trabalhadores, dificuldades financeiras e orçamentárias e questões burocráticas relacionadas aos processos licitatórios de terceirização de serviços”, o então prefeito Eduardo Leite (2011-2015) encaminhou Carta de Intenção para formalização de convênio à Divisão de Mão de Obra Prisional da Susepe, manifestando interesse em ofertar vagas para até 12 apenados do regime semiaberto, em serviços como pintura, pequenas reformas, elétrica, jardinagem e outros.

Em setembro de 2015, iniciou-se o trabalho da Mão de Obra Prisional nas UBS da rede municipal, a partir da seleção dos apenados - pela própria gestão do Presídio - entre os aproximadamente 250 presos do regime semiaberto, com critérios como histórico de bom comportamento, experiências no ramo ou simplesmente vontade de trabalhar.

Foram 35 prédios completamente reformados pelo MOP/SUS, entre eles o Pronto Socorro de Pelotas. Esse caso foi destacado pelo idealizador do Programa, já que venceu o prêmio Inovasus 2019 - concedido pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-Americana de Saúde - como a melhor experiência em arquitetura hospitalar no país daquele ano. Atualmente, as secretarias de Saúde, Educação e Desporto, Assistência Social, Obras e Pavimentação e Serviços Urbanos e Infraestrutura utilizam o Programa Mão de Obra Prisional. 

O prédio da UBS Balsa foi uma das estruturas reformadas com mão de obra prisional - Foto: Gustavo Vara/Arquivo Ascom

A importância do reconhecimento

Muito mais do que promover a reforma de espaços importantes e bastante utilizados no Município, o MOP/SUS promove a ressocialização. O idealizador do Programa conta que vivenciou um episódio marcante, em 2015, considerado, por ele, um divisor de águas, no que diz respeito à consideração sobre a pessoa por trás do indivíduo em cumprimento de pena. Um dos apenados, que estava pintando uma porta, comemorou com Leandro quando recebeu um elogio de uma enfermeira sobre sua pintura. 

“Ele estava incrédulo, mas com um sorriso no rosto. No primeiro momento, apenas respondi - que bom - e ele continuou: não, senhor Leandro, o senhor não entendeu. Ela elogiou o meu serviço! Aí, caiu a minha ficha e comecei a pensar sobre a última vez que ele teria recebido um elogio. A partir de então, o Programa passou a ter dois objetivos: reformar prédios e restaurar dignidades”, detalhou Thurow. 

Várias indagações começam a surgir, voltadas à vida escolar dos apenados, suas famílias e como é o dia a dia no Presídio. Pode-se dizer que a grande parte dos presos, especialmente os que cumprem maior tempo de prisão, saem do sistema desnorteados. A volta ao convívio social e reingresso no mercado de trabalho, pós-cárcere, é extremamente difícil. Dar continuidade a esse processo pode ser mais complicado ainda. Leandro lembra que o convênio entre Poder Público municipal e a Susepe prevê o pagamento de 75% do salário mínimo para cada apenado que exerça a atividade, além de vale-alimentação e transporte e remição de pena de um dia a cada três trabalhados.

“No MOP/SUS ganham todos. Ganha o preso que se (res)socializa, ressignifica a sua própria existência e tem a oportunidade de ter uma pequena renda. Também ganham os profissionais do SUS e a população usuária que recebe instalações físicas adequadas e salubres para os atendimentos em saúde”, finalizou o responsável pela iniciativa.

Atividades seguem durante a pandemia

Mesmo durante a pandemia do coronavírus, as ações do Programa Mão de Obra Prisional continuam. A atual coordenadora, Joice Gonçalves, explica que, na área da saúde, houve uma grande atuação na montagem dos espaços dos serviços municipais criados para o enfrentamento da crise sanitária, como o Centro de Atendimento a Síndromes Gripais (Centro Covid) e a reforma de alas hospitalares destinadas a pacientes infectados pela enfermidade. Em outras Secretarias, a iniciativa colaborou, ainda, para suprir a falta de servidores que precisaram ser afastados das suas atividades, por motivos de saúde ou idade, como forma de prevenção à doença.

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