Sandro e Cleber, reeducandos da Associação, se classificaram para cursar Edificações. A Apac faz parte da política pública municipal Pacto Pelotas pela Paz e foi a primeira do interior do Estado a ser instituída
Por Marina Amaral 19-08-2021 | 09:05:32
Os resultados obtidos em 2021 pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Pelotas, no que diz respeito à formação e educação dos recuperandos, mostram que a instituição está trilhando um bom caminho de transformação do sistema prisional. No mês de agosto, dois recuperandos foram aprovados no Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) para cursar Edificações. Um deles conseguiu alcançar o primeiro lugar geral entre os classificados.
Pelotas foi a primeira cidade do interior do Rio Grande do Sul a adotar o modelo de Apac. Atualmente, a instituição faz parte do Pacto Pelotas pela Paz, política pública instituída pela Prefeitura. Dentro do programa, a instituição está inserida no eixo de Prevenção Social por meio da estratégia Segunda Chance.
Partindo da premissa que lá entra o homem e o delito fica fora, a Apac trabalha o presente dos seus recuperandos, a fim de que retornem à sociedade com novas expectativas de vida, para construir um futuro mais adequado. De acordo com o presidente, Leandro Thurow, a Associação, que nasceu em plena pandemia do coronavírus, enfrentou seu primeiro ano de atividades sem contato com a educação formal. Em 2021, o cenário mudou.
Thurow explica que, neste ano, foram introduzidos cursos a distância mais organizados, além do Ensino de Jovens e Adultos (EJA), do Ensino Fundamental e da possibilidade de realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no local. Tudo isso abriu muitas portas: “Cinco recuperandos fazem cursos técnicos, dois entraram na faculdade (UFPel e Uniasselvi) e, agora, a grata aprovação de dois no IFSul”, conta.
“O trabalho da Apac começa a ganhar credibilidade, e os voluntários que se dedicam a ensinar e a estudar com os recuperandos sentem que vale a pena. Sinto que a sociedade tem muitas pessoas que querem ajudar, querem atuar em ações sociais, mas, muitas vezes, não encontram instituições sérias. A Apac Pelotas tem se consolidado muito rapidamente e isso também é um grande estímulo para quem está lá, vendo bons exemplos ao seu redor”, defendeu o presidente da Associação.
Aprovado em primeiro lugar no processo seletivo para o curso de Edificações no IFSul, Sandro Swesson, 39 anos, contou que não esperava ser contemplado com a vaga. A faixa que decora o pátio da instituição foi levada pela família dele até o local. “Aqui na Associação tudo é sempre uma surpresa. Esses momentos são muito bons”, afirmou.
Sandro destacou as atividades na cozinha, além da carpintaria e alvenaria, como algumas tarefas exercidas por ele na instituição há cinco meses. No tempo dedicado aos estudos, sempre busca leituras que tenham relação com o curso que começará em breve.
“Na situação que nós nos encontramos, não esperamos ser aprovados em primeiro, segundo e ou terceiro lugar. A Apac abre portas, e todo dia eu aprendo mais e mais. Quero me sair bem no curso para ser uma pessoa melhor a cada dia”, finalizou o reeducando.
Ao lado da faixa de Sandro, está a homenagem feita a Cleber Rodrigues, de 53 anos. Visivelmente emocionado, ele se lembrou do momento que sua esposa e filho chegaram até a sede com o presente.
O desejo de Cleber sempre foi cursar Engenharia ou Direito. Ao entrar na instituição, há um ano, se deparou com o desafio de coordenar as obras e reformas do local. A partir daí, não teve dúvidas em escolher a primeira opção. A praça onde a faixa dos dois reeducandos está exposta foi, inclusive, planejada por ele.
“A minha liberdade foi devolvida através da Apac. Às vezes, tudo que a gente precisa é de uma oportunidade. Quero mostrar para a sociedade que eu saí do fundo do poço. Eu venci”, declarou.
De acordo com Thurow, a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados trabalha, através da metodologia apaqueana, a disciplina, que começa pelo estabelecimento de horários para as atividades diárias. A partir das 8h, depois de despertar às 6h e realizar todas as atividades pessoais e de limpeza do prédio, os recuperandos iniciam o trabalho nas oficinas, de segunda a sexta-feira. Às 17h, começa o horário do estudo e lazer.
O presidente explica que, de acordo com os fundamentos do método, todo recuperando que não possui o Ensino Médio completo é obrigado a estudar para manter a sua vaga. O tempo reservado para essa tarefa segue até as 19h, horário da janta, retomado, em seguida, até as 22h, por meios de aulas a distância, tarefas, leitura de livros ou pesquisas pela internet.
Na última sexta-feira (13), a equipe da Apac de Pelotas planejou uma festa surpresa de formatura para um dos seus recuperandos. Luiz Eduardo de Lessa está na Apac há cerca de dez meses, e acabou de completar o Ensino Médio pelo EJA na Escola Municipal de Ensino Fundamental Mário Meneghetti.
“Esse processo tem um significado muito grande para mim, e é só o início do que eu tenho para mostrar para vocês”, comemorou Luiz Eduardo, junto de seus colegas, de familiares e dos profissionais da instituição na sua celebração de formatura.
De acordo com Thurow, essas ações têm como objetivo reforçar a crença no potencial individual de cada um e impactam diretamente no comportamento, uma vez que promovem a sensação de valorização própria, aumento da autoestima e busca por novas oportunidades. “É o reforço para virada de chave do abandono do crime”, justificou.
A presença dos membros da família, nessas ocasiões, faz parte da metodologia apaqueana. Serve para dar suporte durante o cumprimento de pena e trazer à família novos valores e culturas.